TransPeneda-Gerês relato de um caminho: " Um passo, um bastão, um km de cada vez. Não desistas! "
Depois de uma viagem animada entre o Alentejo e o Minho no dia antes (Reguengos de Monsaraz-Melgaço), chegou o dia do grande desafio!
5h da manhã, 2 de Outubro de 2020, Pousada da Juventude, Melgaço.
Tocou o despertador, desliguei de forma a não acordar os filhotes e a esposa. A música do Rocky, que eles bem conhecem, é o toque habitual. Especialmente motivador em dia de prova, faz-me lembrar o sacrifício nos treinos.
Esfreguei os olhos, abri o mail e a Lectio Divina para a meditação e oração matinal, neste dia mais cedo que o habitual. Tentei entender a palavra, meditei e em seguida rezei.
Depois pedi à minha mulher, que entretanto acordou, que lesse uma leitura, o que fez em silêncio. Os meninos dormiam. Em seguida, dei bom dia aos restantes companheiros na camarata, a quem transmiti a palavra. Pedi a um irmão que lesse igualmente, o que fez com naturalidade em voz alta para os restantes.
Segui o coração, deixei de lado o resto das ideias que tinha para a prova. Seria dia de tudo fazer para guiar o grupo até Montalegre, até à meta.
Pequeno almoço, revisão de equipamento e restante material, equipar, controlo (o possível) de ansiedade e lá vamos nós para a partida.
Ainda escuro, frio, vento e chuva logo a começar, nada que não estivéssemos à espera. Os alertas da organização foram muito bem feitos, sobre todas as dificuldades que iríamos encontrar, entre as quais o "Alex".
Desde a primeira subida que se percebeu logo que ia ser muito complicado. Nada que não soubéssemos à partida, mas no "palco é que se vêm os artistas"! A "atuação" começava com 1.200 D+ em 9km.
Nas Serras, à minha maneira (parva às vezes) tentei unir, animar, dar força, aos nossos e aqueles que connosco se cruzavam. O mesmo fizeram comigo. Optei por liderar e fixar o ritmo do nosso grupo durante muito tempo. Senti que estava bem e que podia meter um ritmo que desse para todos. Outros geriam a navegação do track, outros davam os alertas de suplementação e hidratação, aqui e ali trocávamos funções, mas continuamos sempre a ser uma só equipa.
Paisagens de nos deixar de boca aberta, subidas duríssimas, descidas técnicas, condições climatéricas muito adversas, com vento muito forte, chuva, granizo, sensação térmica a -10 a determinada altura, zonas muitíssimo perigosas, piso muito escorregadio, quer a subir quer a descer (e estas feitas de noite, das quais destaco a Serra Amarela, da qual nunca mais me esqueço).
Cascatas, lagos, chuva e sol ao mesmo tempo com reflexos lindos nas rochas e um arco íris como nunca tinha visto... nascer e pôr do sol...Castelos, Santuários e outros monumentos, barragens, passadiços e pontes, pequenas aldeias típicas e os seus habitantes sempre com uma palavra de apoio. Animais diversos foram surgindo no caminho, mas as vacas da região e os cães Castro Laboreiro ficaram na retina. Fomos tendo e vendo de tudo. Não tenho palavras para descrever, só passando mesmo pela experiência.
E um companheirismo imenso e espírito de entreajuda em todos os momentos.
Rezei em silêncio durante a prova. Em determinado momento fui surpreendido com a porta do Santuário de Nossa Senhora da Peneda, no cimo das escadas, aberta, sem ninguém no interior, a não ser Ele. Emocionei-me ali, e outras vezes mais...
A família e amigos no apoio durante a prova estavam a ser, e seriam até ao final, fundamentais.
Já com 3 Castelos conquistados (Melgaço, Castro Laboreiro e Lindoso), numa dificuldade adicional do caminho apresentada pelas lesões de dois companheiros que os haviam de impossibilitar de continuar, desanimei, pensei em abandonar. Percebi antes do Gerês que ia acontecer, mas fiz de conta que não, queria muito que eles continuassem. Afinal fui eu que os desafiei para esta aventura porque sabia que iam aceitar o desafio, porque sabia que queriam, porque sabia que eram capazes.
Na base de vida, enquanto a minha mulher me massajava, expliquei o que se passava. Ela já tinha percebido... Perguntou "E tu?". Expliquei que, dentro das dificuldades inerentes à dureza da prova e ao cansaço de 92km já feitos, me sentia bem. Por um lado triste e a sentir que podia quebrar psicologicamente com a desistência deles mas por outro lado, "o pior e mais difícil" estava feito e não queria desistir depois de ter ultrapassado essas dificuldades com muito esforço e sacrifício. Eles falaram, anunciaram a decisão... Difícil, certamente, mas acertada diga-se, que a saúde está primeiro.
Quis o Senhor que a resiliência e força de outros companheiros, se apresentassem aí nesse momento e daí para a frente. Um deles, parte da equipa desde o início, e o outro, uma verdadeira força da natureza, que "adotamos" durante o caminho.
Fez também com que me lembrasse do que me tinha comprometido em fazer. Levar todos à meta. Foi esse o meu compromisso na manhã em que começamos. E não queria falhar aos meus filhos também, a quem tento mostrar, por palavras e atos, que nunca devem desistir dos seus sonhos. Porque difícil é diferente de impossível, devem fazer acontecer.
Além disso, no seu discurso motivacional ainda em Reguengos, a minha mulher tinha-me dito, obviamente em jeito de brincadeira, que me dava uma carga de porrada se a fizesse andar atrás de mim Serra acima, Serra abaixo e depois desistisse. Já me doía tudo da prova, não me apetecia ainda em cima levar dela...
Decidi continuar. Quando arranquei já sabia que para acabar iria garantidamente entrar na segunda noite sem dormir. Já não havia qualquer dúvida quanto à dificuldade da prova (como comprovei no final ao saber que apenas metade dos atletas completaram a mesma).
As forças físicas foram diminuindo, o cansaço e falta de concentração foram surgindo (o que dificultou em muito a navegação GPS, ainda mais quando ficamos a navegar somente com o meu relógio). Houve momentos menos bons, mas sempre com uma vontade tremenda de continuar. Aumentou a capacidade de sacrifício à medida que faltavam menos quilómetros. A entreajuda entre os três foi fundamental. Tentamos ultrapassar mais uma parte muito técnica antes de cair a noite e felizmente conseguimos, senão teríamos dificuldade acrescida.
A surpresa em Pitões das Júnias dos companheiros e uma vídeochamada com os Piranhas, trouxeram " algum sangue novo".
Com a madrugada vieram as mazelas todas ao de cima. Começou a custar mesmo muito mas, o foco mantinha-se e nada nos ia parar antes do "tapete vermelho". Agora já não, nesta altura não podíamos "morrer na praia".
No coração ainda tinha forças e havia quem na meta se fizesse sentir junto de mim. Aí fui buscar tudo lá dentro num esforço final. Eu corro por amor e no amor há sempre força.
Já após as 5h da manhã, 4 de Outubro de 2020, o 4° Castelo, o de Montalegre, depois de 173km percorridos com mais de 9.000 D+. A desejada meta, que só contou a valer porque o caminho foi o que tinha que ser.
Estávamos TODOS. NINGUÉM DESISTIU!
Atletas cansados e sem forças em fim de prova, companheiros lesionados mas ali também valentes a apoiar, companheiras esgotadas de tudo darem por nós em mais de 46h consecutivas, amigos e familiares no coração... entre os quais os filhotes, ali ao lado a descansar mas à minha espera.
Fomos abraçando, libertamos emoções e palavras, choramos, rimos. Muito orgulhoso dos meus companheiros todos, muito agradecido, muito emocionado e muito mais que não consigo explicar. Um turbilhão de emoções que ainda hoje permanece. Não era prova para mim, era para "meninos crescidos", mas a medalha de finisher estava no meu pescoço, pelas mãos de quem a tinha de colocar. Estava prometido, era justo, foi uma honra.
Antes de regressarmos a casa, entre algum descanso, partilha de emoções, experiências, passeios, comes & bebes, brincadeiras, vivemos a amizade e os laços que nos uniram naquilo que é muito mais do que uma prova de ultra trail endurance. É uma experiência para a vida.
Este é apenas um relato, transmitido da forma como o vivi e senti, de um caminho que foi de amor e também de fé.
Mas caminhamos todos os dias, a aprender e a agradecer todos os momentos, dos melhores aos mais difíceis, nesta coisa fantástica que é a VIDA.
TransPeneda-Gerês report of a path: "One step, one pole, one km at a time. Do not give up! "
After a lively trip between Alentejo and Minho on the day before (Reguengos de Monsaraz-Melgaço) the day of the great challenge arrived!
05:00 am, October 2nd, 2020, Youth Hostel, Melgaço. The clock alarm rang, I turned it off so as not to wake up my kids and my wife. Rocky’s music, which they know well, is the usual alarm sound. Especially motivating on this race day, it reminds me of the sacrifice in training sessions.
I rubbed my eyes, opened the email and the Lectio Divina, for meditation and morning prayer, this day earlier than usual. I tried to understand the Word, meditated and then prayed. Then I asked my wife, who meanwhile woke up, to read the Word, which she did in silence. The kids were asleep. Then I said good morning to the rest of the companions in the room, to whom I passed the Word. I asked one brother to read too, which he did out loud for the rest of us. I followed my heart, I left aside the rest of the ideas I had for the race. It would be a day to do everything to guide the group to Montalegre, to the finish line.
Breakfast, equipment review, control (if possible) of anxiety and there we go for the start. Still dark, cold, wind and rain, nothing that we weren’t expecting. The alerts of the organization were very well done, about all the difficulties that we were going to find, among them the "Alex".
Since the first ascent, we realised really soon that it was going to be very complicated. We knew it since the beginning, but "On the stage you find the artists"! The "performance" started with 1,200 D+ in 9km. In the mountains, sometimes in my silly way, I tried to unite, encourage, give strength, to our companions and other who crossed with us. They did the same with me. I chose to lead and set the pace for our group for a long time. I felt good and that I could set a rhythm good for everyone. Others managed the navigation by GPS, others gave the supplementation and hydration alerts, here and there we exchanged functions, but we always remain one team.
Breathtaking landscapes, very hard climbs, technical descents, very adverse weather conditions, with very strong wind, rain, hail, thermal sensation at -10 at a certain height, extremely dangerous areas, very slippery floor, both climbing and descending (and these made at the night, of which I highlight the Serra Amarela, which I will never forget).
Waterfalls, lakes, rain, and sun at the same time with beautiful reflections on the rocks and a rainbow like I’ve never seen before... sunrise and sunset... Castles, shrines and other monuments, dams, walkways and bridges, small typical villages and their inhabitants always with a word of support. Several animals appeared along the way, but the cows of the region and the Castro Laboreiro dogs remained on the retina. We were seeing and experiencing such a diversity! I have no words to describe it, it has to be experienced. And an immense companionship and help at all times.
I prayed in silence during the race. At a certain moment I was surprised with the open door of Our Lady of Peneda's Sanctuary, at the top of the stairs, with no one inside but Him. I got emotional there, and sometimes more...
The support of family and friends during the race was very important until the last minute in the finish line.
Already with 3 Castles conquered (Melgaço, Castro Laboreiro and Lindoso), with an additional difficulty due to two companions' injuries (that would make it impossible to carry on for them), I was feeling discouraged and I thought to withdraw. I realized, before getting to Gerês, that it was going to
happen, but I pretended it wasn’t, I really wanted them to keep going. After all, I was the one who challenged them to this adventure, because I knew they would accept the challenge, because I knew they wanted to, because I knew they could do it.
At the Aid station, while my wife was massaging me, I explained what was going on. She had already noticed it... She asked "What about you?". I explained that, within the difficulties inherent to the hardness of the race and the fatigue of 92Km already done, I felt good. On one hand sad and feeling that I could break down psychologically with their giving up, but on the other hand, "the worst and the hardest" was done and I did not want to give up after overcoming these difficulties with such an effort and sacrifice. They spoke, announced the decision... Difficult, for sure, but correct as health comes always first.
The Lord willed that the resilience and strength of the other companions would present there, at that moment, and onward. And we carried on.
One of the companions is part of the team since the beginning and the other is a real "force of nature", which we "adopted" along the way.
It also reminded me of what I had committed myself to do. Getting everyone to the finish line. That was my commitment in the morning we started. And I didn’t want to fail, specially with my children, whom I try to show, by words and actions, that they should never give up on their dreams. Because difficult is different from impossible, they must make it happen.
Also, in her motivational speech still in Reguengos, my wife had told me, obviously as a joke, that she would beat the hell out of me if I made her chase me mountain up, mountain down, and then quit. My body was very sore from the race and I didn't want her to make it even more painful....
I decided to carry on. When I started I already knew that, to achieve the finish line, we would have to run during the second night without sleeping. There was no doubt about the difficulty of the race (as I realised at the end knowing that only half of the athletes completed it). The physical strength was decreasing, the fatigue and lack of concentration were appearing
(which made the GPS navigation very difficult, even more when we were navigating only with my watch). There were moments not so good, but always with a tremendous desire to continue. The capacity for sacrifice increased as there were fewer miles to go. The mutual help among the three of us was crucial.
We tried to overcome one more very technical part before nightfall and, fortunately, we succeeded, otherwise the difficulty would have increased. At Pitões das Júnias we had a surprise: our companions and a video called with the Piranhas brought " some new blood".
With the dawn came all the misfortunes. It started to be very painful, but the focus remained and nothing was going to stop us before the "red carpet". Not anymore, at this point we could not "die on the beach". In my heart I still had strength, and there were those at the finish line who would make themselves felt close to me. I made one last final effort. I love running and in love there is always strength.
Already after 5 am, October 4th, 2020, the 4° Castle at Montalegre, after 173km traveled with more than 9,000 D+, the desired finish line, that was worth all the way to it!
We were ALL there. NOBODY GAVE UP!
Tired athletes without strength at the end of the race, injured companions but also there to
support us, exhausted wives after 46 consecutive hours accompanying us, friends and family in the heart... and my kids resting and waiting for me.
We hugged, released emotions and words, cried, laughed. Very proud of all my companions, very grateful, very emotional and much more than I can not explain. A whirl of emotions that still remains today. That was not a race for me, it was for "grown up boys", but the finisher's medal was on my neck, by the hands of the one who had to put it. It was promised, it was fair, it was an honor.
Before we return home, between some rest, sharing emotions, experiences, walks, food & drinks, games, we experienced the friendship and bonds that united us in what is much more than an ultra trail endurance race. It’s an experience for life.
This is just a story only, based on the way I lived and felt it, of a journey of love and faith.
But we walk every day, learning and thanking for every moment, from the best to the worst, in this fantastic thing that is LIFE.